Seu tom de voz era ameaçador. Falava pausadamente, como se quisesse dar ênfase para o que dizia. Olhava para o chão com cara de preocupado, correndo os olhos por entre os cães mortos, espalhados por todo o beco. A vontade que tive era de sair correndo, fugir para qualquer lugar, qualquer canto, para um local aleatório onde eu não precisasse ouvir aquele homem falar.
Ele estava parado a poucos metros, era possível notar seus ombros largos e braços fortes, era totalmente diferente da primeira vez que o vimos, velho e raquítico. Ele parecia mais ameaçador, tinha uma aura fria, como se a morte o acompanhasse.
Quando falou novamente, todos os meus músculos enrijeceram, minha vontade era de correr, mas meu corpo não obedecia.
_Devo parabenizá-los, não é todo mundo que enfrenta uma matilha de cães infernais e permanece vivo para contar.
Kelly arregalou os olhos assim que ouviu o nome. Deu um passo para trás como se precisasse afastar-se o mais rápido possível mas não conseguisse. Simplesmente continuou olhando fixo para o homem à nossa frente.
Ele pareceu notá-la, olhou profundamente nos olhos dela e sorriu como se lesse seus pensamentos.
_Ah, é possível sim, minha querida. É tão real quanto você possa imaginar.
Kelly caiu de joelhos, ainda olhando em seus olhos. Ela parecia vidrada neles. Começou a murmurar coisas sem sentidos. Tentou afastar arrastando-se, mas não conseguia. Ela se mantinha olhando para aqueles olhos negros. Começou a suar frio, parecia ter esquecido até de respirar. Sofria de algo que eu não podia ver, mas podia sentir. Algo incompreensível para qualquer expectador.
_Para com isso, ela vai morrer! – Gritou Mary, aos berros para o senhor.
Se o objetivo de Mary era distrair a atenção dele de Kelly, conseguiu. Ele desviou o olhar de Kelly e a moça caiu deitada no chão duro, pelo menos estava respirando.
_Ela vai morrer de qualquer forma, garota. Não tenha tanta esperança, os dias de vocês já estão contados. – Disse ele, para Mary.
_O que fez com ela?
_Ela é descrente da realidade. Eu apenas mostrei a ela.
_O que quer dizer com isso? Por que não nos fala quem é você? Onde estamos? Por que nos trouxe aqui? – Dizia Mary, descarregando toneladas de perguntas sobre o velho.
_Eu sou Shamus, eu sou o criador deste lugar. Isso é tudo o que precisam saber. Ainda me verão muito por aqui, estou constantemente de olho em vocês. Estou de olho em tudo o que acontece. Tudo o que fazem e tudo o que pensam em fazer.
Shamus se virou bem lentamente, deu-nos as costas e saiu caminhando a passos largos.
_Desculpa ir embora assim, mas sou um homem ocupado.
_Então por que veio? Só para torturar Kelly? – Gritei, com a raiva, tentando recuperar o controle do meu corpo cheio de medo. Arrependi-me um segundo depois, quando ele parou de caminhar bem próximo a saída do beco. Olhou-me pelo canto do olho e respondeu.
_Só achei que o feito de vocês era digno de uma visita. Não vanglorie-se, vocês ainda têm muito o que enfrentar.
Ele fez menção de ir embora, mas parou mais uma vez. Virou a cabeça de leve e nos olhou como se não sentisse nada mais que pena.
_Ah, já ia me esquecendo... – Ele começou, no melhor tom casual que conseguiu. – Vocês têm medo do escuro?
Virou-se e foi embora, deixando a frase ainda pairando no ar. Nunca mais esqueceríamos dela.
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