OBS:

Dedico minhas horas vagas a escrita. Mas a ideia de publicá-las nunca me havia ocorrido.
Assim, dedico essa história a Lorrana e a Patrícia, que me apoiaram, ajudaram e me encorajaram.
-Obrigado

sábado, 30 de novembro de 2013

Capítulo 10 - A Dama.

Enquanto meu corpo descansava, minha mente não parava de trabalhar, me trazendo uma vastidão de sonhos e pesadelos, da qual eu não podia me defender. Sonhei com Khaled, ensanguentado e sem vida, deitado naquela cama.

Depois a cena mudou, eu era um espectador, flutuando nos fundos do chalé. Vi eu e Michael cavando o enorme buraco da sepultura. As meninas às nossas costas choravam. O corpo, enrolado em lençol branco, esperava pacientemente que seu novo lar estivesse pronta. Seu último lar.

Assisti novamente, tudo o que havia se passado conosco. Uma retrospectiva assustadora, com todos os medos que enfrentei neste lugar. Eu os sentia novamente, senti um arrepio quando vi, novamente, Shamus em nossa sala de estar, exatamente como da primeira vez.

Era como se todo aquele pavor, medo e pânico que senti, não fossem suficientes, e eles voltassem, mais uma vez, para me lembrar de tudo. Tudo o que eu gostaria de esquecer. Tudo o que eu gostaria de que nunca tivesse lembrado. Muito menos vivido.

Eu não estava só “assistindo” novamente. Eu estava vivendo tudo aquilo mais uma vez. Todo sentimento, a dor, o cansaço, o pânico. Tudo. Tudo estava de volta, até mesmo a sensação de impotência, ao ver Kelly sendo atacada por aquele lobo enorme.

Esta cena não saia da minha cabeça já havia dias. A culpa me atormentava, quando ela realmente precisou de mim, eu não pude fazer nada.

E se algo tivesse acontecido? E se Mary não tivesse chegado a tempo? Kelly estaria morta, tudo por culpa minha.

Não era apenas esta vez. Enquanto Shamus a torturava, naquela mesma maldita noite, o que eu fiz? Nada! Fiquei parado, apenas assistindo minha amiga sofrer.

É tudo culpa minha, se não fosse por mim, hoje Kelly não estaria tão reclusa, talvez eu tivesse salvado Khaled, eu poderia ter ajudado. Eu poderia ter feito alguma coisa.

Esses pensamentos não paravam de me ocorrer, eu me torturava com a ideia de que meus amigos morreram, e eu sequer pude socorrê-los.

Mas de repente, todos os sonhos cessaram. Tudo ficou preto em minha mente. Estava ainda mais nítido, ainda mais assustador, ainda mais real. Como se não estivesse sonhando, mas vivenciando. A escuridão era absoluta. Uma voz ressoou pelo vazio.

_Venha para mim, John.

Era uma voz feminina. Calma e sensual. Era suave, aparentava leveza. Eu reconheceria esta voz em qualquer lugar.

_Stefany, é você? - Perguntei, sem conseguir acreditar nos meus ouvidos. - Stefany, onde você está?

_Bem aqui - Ela disse às minhas costas, com a voz mais doce que eu já ouvi.

Virei-me, lá estava ela, deslumbrante, em um vestido vermelho, que chegava a seus joelhos. De tecido leve, o vestido parecia fazê-la voar. Era como se flutuasse, como se estivesse em todos os lugares, e ao mesmo tempo, em lugar nenhum.

Tinha cabelos castanhos, ondulados por cima de seu ombro. Sua pele era branca e seus olhos… Ah, os seus olhos verdes como esmeralda, pareciam me chamar, me atrair para perto.

E lá estava ela, exatamente como me lembrava de tê-la visto pela ultima vez, quando saímos juntos. Deslumbrante, maravilhosa, divina.

_Eu estava com saudades. - Ela falou com um tom triste em sua voz. - Você não voltou. Você prometeu que voltaria.

Nesta hora eu já não conseguia pensar de forma clara. Eu me esquecera de tudo. Só queria saber de continuar olhando para aqueles magníficos olhos.

_Eu também estou com saudades, meu amor. Eu não sei o que aconteceu. Tudo o que eu queria era voltar, mas não pude.

_Isso não importa mais, eu estou aqui agora.

É verdade. Ela estava. Estava bem ali, diante de meus olhos. Eu sentia seu cheiro, conseguia sentir sua aura de beleza se espalhando por toda aquela vastidão negra, como se a iluminasse. E de fato, estava iluminando.

Dela irradiava uma luz, que iluminou o local de forma lenta. Estávamos num quarto, no quarto da nossa primeira vez. Eu lembrei daquela noite. Estávamos bêbados depois da festa, ela me trouxe até aquele local... Minha vida mudou completamente.

_Nós podemos recriar aquela noite, John. Não é isso que você quer?

_Sim… eu quero… - respondi lentamente, dando um passo involuntário em sua direção.

_Podemos vivenciar tudo aquilo novamente. Basta você querer, meu amor.

Sua voz era suave e doce, calma e mesmo assim penetrante. Me atraia, era irresistível. Dei mais dois passos rápidos e parei a sua frente. Estava cara-a-cara com ela. Podia sentir sua respiração, seu calor.

Ela tocou meu braço de leve. Eu não conseguia controlar meu corpo. Ela me arrastava em direção a cama. Eu não conseguia me conter. Eu não queria me conter.

[...]

Seu corpo era quente, exatamente como eu me lembrava. Sua pele era sedosa, e seus lábios macios. Seu beijo me tirava o fôlego. Me deixava ofegante.

Não era assim que eu me lembrava.

A cada beijo, eu me sentia mais cansado. Eu comecei a me sentir tonto e sem forças.

_Não… eu não consigo…

_Esqueça isso, amor. Eu estou aqui. - Ela sussurrava em meu ouvido. Ok. Se Stefany estava comigo, nada mais importava. Nem mesmo uma tontura repentina.

Mas foi ficando pior do que o esperado. Eu não conseguia levantar os braços. O ar escapava de meus pulmões a cada pequeno esforço. Eu não conseguia pensar direito. Meu cérebro estava funcionando de maneira lenta.

A cada beijo eu sentia minha vida se esvaindo. O pouco de energia que me restava, era o suficiente apenas para me manter vivo. Mas não por muito tempo.

De alguma forma eu soube que não era Stefany. Eu queria gritar, mas não conseguia. Eu não tinha forças nem para me manter acordado.

ACORDADO!

Era isso, eu ainda estava dormindo, isso era um sonho. Mas por que se parecia tão real? Por que eu sentia como se minha vida estivesse se esvaindo de verdade?

Eu precisava acordar, mas não sabia como. Aquela coisa, que fingia ser Stefany, estava deitada sobre mim. Com seu rosto pairando sobre o meu, beijando-me sem parar. E eu não conseguia desviar o rosto. Eu não conseguia me esquivar. Era como se eu fosse uma estátua deitada. Meu corpo não respondia a nenhum comando. Simplesmente fechei os olhos.

_John, acorda. - Uma voz ecoou em minha cabeça.

Minha cabeça girava. Eu não sabia o que fazer, eu precisava acordar.

_John, me escuta! Acorda! Acordaaaa!

Agora estava mais alta e compreensível. A voz dele estava mais clara em minha mente.

Acorde! Acorde! Acorde John, por favor!

Senti duas mãos em meus ombros me agarrando forte. Me chacoalharam com brutalidade. Eu não tinha forças para falar. Tentei mover os braços, mas estes não respondiam como deveriam. Tudo o que pude fazer foi abrir os olhos, bem devagar.

Eu estava sentado de costas para uma arvore, estava suado e todos meus músculos doíam. Minha consciência foi voltando aos poucos.

Minha visão tomou foco. Um rosto estava parado a poucos centímetros de mim. Quase gritei. Será a “falsa Stéfany”?

Meus olhos se encheram de medo. Mas quando encarei mais uma vez, meus músculos relaxaram.

_Finalmente acordou. Achei que morreria. Você está bem?

A enxurrada de perguntas vinha de Michael.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Capítulo 9 - O Exílio

Saímos pelas ruas sem rumo certo. Tínhamos apenas a luz da lua cheia para nos mostrar o caminho. Caminhamos por horas e mais horas, sem saber ao certo para onde. Era impossível saber o que era norte ou sul, a lua situava-se no ponto mais alto do céu, e não parecia disposta a sair.

Da casa, só pudemos pegar uma faca, que estava na sala onde Michael havia almoçado e as duas armas que nos restaram, já que as outras duas, de Mary e Michael, foram perdidas durante o ataque dos cães infernais.

Tudo o que sabíamos, é que estávamos indo na direção oposta do castelo da qual chegamos, no primeiro dia.

O braço de Michael já estava bom, ele só o mantinha enfaixado para evitar que os pontos abrissem. Kelly já estava mais calma, retomara a rotina aos poucos, já conversava e falava normalmente. Mas ainda recusava-se a comentar sobre o acontecido naquela noite no beco, uma semana antes.

Pelas nossas contas, já se passara umas 5 horas, desde que saímos da casa. 5 horas caminhando na mesma direção, e ainda não víamos mudança na paisagem. As casas eram idênticas as primeiras, igualmente vazias e sem vida. As ruas e praças, tudo parecia igual.

A fome já estava fazendo sua visita, não tínhamos comidas nem água. A casa nos expulsara sem que pudéssemos pegar nada. Mas se não morrêssemos de fome, com certeza morreríamos de frio.

Todos nós estávamos com roupas finas, levando em conta que lá, todos os dias até então, tinham sido quentes. Não esperávamos essa mudança repentina. Nosso corpo tremia involuntariamente, andamos abraçados para tentar amenizar a sensação. Não sei dizer ao certo quantos graus fazia, pois é difícil ter certeza, utilizando apenas a própria pele como termômetro, mas acredito que não estava muito acima de zero.

Mais alguns minutos caminhando e finalmente começamos a perceber uma leve diferença no local. Uma árvore com folhas mais verdes, um jardim um pouco mais arrumado, umas casa menos destruídas que as demais, porém todas estavam trancadas. Eram diferenças sutis, mas que podiam ser percebidas de vez em quando.

Depois, as casas começaram a ficarem mais raras, mais espalhadas. Eram poucas pela rua, os terrenos foram se mostrando vazios à medida que seguíamos.

O frio começou a diminuir. A temperatura começou a subir aos poucos, depois a oscilação parou, a temperatura ficou o mais agradável possível. Como se alguma criança estivesse apenas brincando com o termostato.

Continuamos caminhando, conferindo todas as fechaduras. Nada. Todas as casas estavam trancadas, não havia força para que as portas abrissem. As janelas não possuíam vidros, e estavam igualmente presas. Não havia como entrar.

De repente a cidade acabou, as casas ficaram para trás. Chegamos a um campo irregular, coberto por um capim da altura do joelho. Havia algumas árvores espalhadas, e um rio corria a nossa direita. Mas isso foi tudo o que conseguimos ver, com os olhos imersos naquela escuridão.

Corremos até o rio, estávamos mortos de sede depois de horas caminhando. Bebemos de forma lenta e sem pressa. Fiquei triste em saber que não tínhamos mais nossos cantis, que ficaram na despensa da casa.

Resolvemos voltar para a cidade para procurar por comida, mas era impossível entrar em alguma casa, pareciam trancadas por magia. E o mais estranho era que, quanto mais para dentro da cidade nós íamos, mais frio ficava. Mas não como antes, desta vez era um frio diferente, extremo. Cinco minutos por entre as ruas, o frio ficou tão intenso que parecia difícil até de pensar.

Não havia escolha, tínhamos que voltar para aquele campo. Voltar para próximos do rio, que naquele momento, era a única coisa familiar naquela paisagem.

[...]

A fome nos corroía por dentro. Continuamos a caminhada, agora, seguindo o curso do rio, que se afastava da cidade. Só parávamos para beber água ou descansar por alguns minutos, antes de continuar a jornada.

Durante uma destas pausas, um movimento nos chamou a atenção. Um remexer entre o capim a apenas alguns metros de nós. Com aquela escuridão era impossível apontar onde foi, mas o som havia vindo da esquerda.

Nós deitamos na grama para nos esconder. Fosse o que fosse, não gostaria que nos visse.

Menos de um minuto depois, o som se repetiu, estava mais constante, estava se movendo. Michael levantou a cabeça de leve depois tornou a abaixá-la de vagar. Me lançou um sinal de silêncio, com o indicador sobre os lábios. Arrastou-se até mim com o mínimo de ruído possível. Quando estava bem próximo, pude ver um sorriso em seus lábios.

_Comida. – ele sussurrou para mim. – Não se mexa.

Ele se pôs de joelho e esperou. Esperou. Foi quando eu ouvi mais um farfalhar entre o capim, a uns 3 metros de distancia. Michael levantou-se com rapidez impensável e atacou.

Assim que vi o que ele fez, me levantei rápido para ir ajudá-lo, mas não foi necessário. Dei um passo em sua direção, mas ele já estava voltando. Carregava um enorme coelho, preso pelas orelhas.

15 minutos mais tarde, o animal já estava morto, sem pele e picado. Michael fizera tudo isso sozinho, utilizando apenas a faca que pegamos da casa, e a água do rio para limpar a carne do coelho.

_Como vamos cozinhar isto? – Perguntou Mary para ele.

_Pelo que vejo, não temos escolha. Não há como acender uma fogueira, além de que, mesmo que houvesse, eu não gostaria de chamar a atenção em meio a este lugar. Teremos que comê-lo cru.

Quase vomitei quando ouvi o que ele dizia. As meninas não pareciam melhor. A ideia era repugnante, carne crua, sem nenhum preparo ou tempero. Só de pensar, meu estômago embrulhou mais uma vez.

[...]

Dizem por aí, que a fome é o melhor tempero. Agora acredito que seja verdade. Foi difícil de comer, ainda mais depois de tantas noites de comida quente e gostosa, preparadas por Kelly e Mary. Mas não era tão ruim quanto acreditei de inicio.

Depois de tanto tempo sem comer, aquilo poderia ser um banquete. As garotas também pareceram satisfeitas. O Gosto não era ruim, tínhamos apenas que deixar de lado velhos hábitos.

Não foi como uma refeição, mas serviu para que saciássemos nossa fome. Com a barriga não mais nos incomodando, roncando ou doendo, poderíamos finalmente dormir.o mais nos incomodando, roncando ou doendo, poderíamos finalmente dormir.

Resolvemos descansar ali mesmo, para que pudéssemos ficar próximos a água. Além de que o capim era mais alto, o que nos daria uma vantagem em ficarmos escondidos.

A partir de agora, o céu seria nosso teto e a Lua nossa guardiã.

Capítulo 8 - Noite

Estávamos jantando, ou o mais próximo que se possa chegar disso, estando em um local como aquele.

O dia que se passou foi dividido, basicamente, em cuidar do braço de Michael e da mente de Kelly.

Michael não teve tantas complicações, foi uma mordida forte e com marcas profundas dos dentes afiados daquelas bestas. Porém, eram apenas 4 perfurações na região de seus bíceps. Alguns pontos, água oxigenada para desinfetar, gaze e uma faixa, e logo seu braço estaria como novo.

Já Kelly não teve tanta sorte, sabíamos que, diferente de Michael, esse ferimento não poderia ser curado. Para esse tipo de problema não existe remédio, não há nada que se possa fazer.

Ela passou o dia quieta e sem comer. Ficou deitada em sua cama, sem nada a comentar sobre o que realmente vira, enquanto encarava aqueles olhos negros. Mas acredito que não entenderíamos de qualquer forma.

Quando anoiteceu estávamos exaustos. Acho que nunca estive tão cansado em toda minha vida. Fui direto para minha cama, sem nem me importar com que tipo de pesadelo eu teria esta noite. Tudo o que eu queria era deitar-me reconfortantemente e recarregar minhas energias.

Sonhei com nós quatro em uma planície enorme, coberta de grama verde. Onde o vento era incrivelmente forte e fresco, o Sol brilhava longe, próximo ao horizonte. Era lindo, a primeira vez que me senti tranqüilo desde que cheguei ali.

O Sol estava se pondo, e nós estávamos sentados naquele tapete de grama macia, tudo o que sentíamos naquele momento era paz.

Infelizmente não durou muito. Como tudo o que acontece neste lugar, a sensação de tranqüilidade acabou. O Sol finalmente se pôs, e a noite fria caiu sobre nós.

Não havia estrelas, o vento parou, o frio começou a arrepiar os pêlos dos meus braços. Sentamos-nos de costas uns para os outros, para que pudéssemos ter uma visão melhor da vastidão daquele lugar. Alguma coisa estava extremamente errada com aquele lugar, e não queríamos ser pegos de surpresa novamente.

Tive a sensação de que essa seria a noite mais longa da minha vida. Um clima de medo passou por nós. Aquela breve impressão de que nunca mais veríamos o amanhecer. Nunca quis tanto estar errado, como queria naquele momento.

Acordei com frio, ainda era noite, mas eu sabia que não conseguiria dormir novamente. Levantei, fui até a geladeira, tomei dois copos cheios d’água e depois deitei no sofá da sala. Fiquei ali, olhando para o teto.

Essa era minha rotina, de quando não conseguia dormir. Um pouco de água, deitar no sofá e esperar o Sol nascer.

Mas não foi assim desta vez.

Eu já estava ali deitado a algum tempo. Michael já havia levantado três vezes para comer ou tomar algo, via que ainda estava de noite, e voltava para o quarto.

Algumas horas mais tarde, e o amanhecer não viera.

Todos já estavam de pé e já tinham tomado café da manhã. E o Sol ainda não havia dado as caras.

Fomos para fora ver o que acontecera. O céu estava limpo, nenhum sinal de nuvens ou de estrelas. Somente a lua pairava sobre nós, e não parecia disposta a sair dali.

_Eu já vi isso antes. – Murmurei, enquanto voltávamos para o sofá. – Sonhei com algo parecido.

_E por que não nos contou? – Mary disse, preocupada.

_Ora, Mary, dentre tantos pesadelos?

Ela pareceu entender, concordando com a cabeça.

_O que viu no sonho? – Perguntou Michael.

Contei a eles cada detalhe. Não queria que ficassem com medo, mas eu tinha de contar.

_Ou talvez seja o fuso horário. – Disse Michael, tentando quebrar o silêncio.

_Talvez. – Eu disse desanimado.

E então esperamos.

[...]

Não tínhamos mais como ter noção do tempo. Horas e mais horas se passavam, e tudo permanecia igual. A noite e somente a noite. Apenas a escuridão ao nosso redor.

Conforme o “dia” foi transcorrendo, ia ficando mais frio. Assim como no sonho. Talvez não estivesse mesmo frio, mas era como se tudo estivesse perdendo a vida, como se tudo já tivesse perdido as esperanças. Como se o próprio mundo estivesse esperando a hora de morrer.

Nessa hora, as palavras de Shamus não saíam de nossas cabeças: “Vocês têm medo do escuro?”.

O psicológico parou de funcionar. Era impossível saber quando dormir e quando acordar. Tínhamos que revezar as horas de sono, alguém sempre deveria ficar acordado vigiando. Não tinha como se manter naquelas condições.

A casa pareceu sofrer as influencias também. Estava ficando cada vez mais raro os momentos em que ela nos atendia. Ao contrário, agora a casa parecia brincar conosco. Quando queríamos dormir, as portas dos quartos simplesmente estavam trancadas. Quando precisávamos comer, a geladeira simplesmente não abria.

Parecia estar nos regulando. Comíamos quando ela queria, dormíamos quando ela deixava. Quando fomos procurar por lanternas, para nos mantermos na escuridão, tudo o que recebemos foram 4 velas enormes, uma para cada um de nós.

Tentamos separar comida. Aproveitamos uma hora em que a geladeira estava aberta e retiramos dela quase tudo o que podíamos, e que não estragava. Achamos que seria a solução, mas toda vez que abríamos uma embalagem de comida extra, ela estava vazia. Não importava o quão pesado o pacote estivesse. Quando abríamos, só continha vento.

O jeito foi aceitar as condições, e nos dobrarmos à vontade da casa.

Alguns dias depois, impossível dizer quantos, nossas velas se acabaram. No mesmo instante em que a ultima vela chegou ao fim, a casa se fechou.

Fechou-se por completo, quartos, banheiro, cozinha, sala, tudo. Ficamos imersos na total escuridão.

A única porta que se mantinha aberta era a da saída. Ok, já entendemos o recado.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Capítulo 7 - Um Velho Amigo

_Vejo que já conheceram meus bichinhos de estimação. Mas não fico nada feliz em ver o que fizeram com eles.

Seu tom de voz era ameaçador. Falava pausadamente, como se quisesse dar ênfase para o que dizia. Olhava para o chão com cara de preocupado, correndo os olhos por entre os cães mortos, espalhados por todo o beco. A vontade que tive era de sair correndo, fugir para qualquer lugar, qualquer canto, para um local aleatório onde eu não precisasse ouvir aquele homem falar.

Ele estava parado a poucos metros, era possível notar seus ombros largos e braços fortes, era totalmente diferente da primeira vez que o vimos, velho e raquítico. Ele parecia mais ameaçador, tinha uma aura fria, como se a morte o acompanhasse.

Quando falou novamente, todos os meus músculos enrijeceram, minha vontade era de correr, mas meu corpo não obedecia.

_Devo parabenizá-los, não é todo mundo que enfrenta uma matilha de cães infernais e permanece vivo para contar.

Kelly arregalou os olhos assim que ouviu o nome. Deu um passo para trás como se precisasse afastar-se o mais rápido possível mas não conseguisse. Simplesmente continuou olhando fixo para o homem à nossa frente.

Ele pareceu notá-la, olhou profundamente nos olhos dela e sorriu como se lesse seus pensamentos.

_Ah, é possível sim, minha querida. É tão real quanto você possa imaginar.

Kelly caiu de joelhos, ainda olhando em seus olhos. Ela parecia vidrada neles. Começou a murmurar coisas sem sentidos. Tentou afastar arrastando-se, mas não conseguia. Ela se mantinha olhando para aqueles olhos negros. Começou a suar frio, parecia ter esquecido até de respirar. Sofria de algo que eu não podia ver, mas podia sentir. Algo incompreensível para qualquer expectador.

_Para com isso, ela vai morrer! – Gritou Mary, aos berros para o senhor.

Se o objetivo de Mary era distrair a atenção dele de Kelly, conseguiu. Ele desviou o olhar de Kelly e a moça caiu deitada no chão duro, pelo menos estava respirando.

_Ela vai morrer de qualquer forma, garota. Não tenha tanta esperança, os dias de vocês já estão contados. – Disse ele, para Mary.

_O que fez com ela?

_Ela é descrente da realidade. Eu apenas mostrei a ela.

_O que quer dizer com isso? Por que não nos fala quem é você? Onde estamos? Por que nos trouxe aqui? – Dizia Mary, descarregando toneladas de perguntas sobre o velho.

_Eu sou Shamus, eu sou o criador deste lugar. Isso é tudo o que precisam saber. Ainda me verão muito por aqui, estou constantemente de olho em vocês. Estou de olho em tudo o que acontece. Tudo o que fazem e tudo o que pensam em fazer.

Shamus se virou bem lentamente, deu-nos as costas e saiu caminhando a passos largos.

_Desculpa ir embora assim, mas sou um homem ocupado.

_Então por que veio? Só para torturar Kelly? – Gritei, com a raiva, tentando recuperar o controle do meu corpo cheio de medo. Arrependi-me um segundo depois, quando ele parou de caminhar bem próximo a saída do beco. Olhou-me pelo canto do olho e respondeu.

_Só achei que o feito de vocês era digno de uma visita. Não vanglorie-se, vocês ainda têm muito o que enfrentar.

Ele fez menção de ir embora, mas parou mais uma vez. Virou a cabeça de leve e nos olhou como se não sentisse nada mais que pena.

_Ah, já ia me esquecendo... – Ele começou, no melhor tom casual que conseguiu. – Vocês têm medo do escuro?

Virou-se e foi embora, deixando a frase ainda pairando no ar. Nunca mais esqueceríamos dela.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Capítulo 6 - O Beco

Caminhamos até a praça no fim da rua. Quando chegamos lá, conferimos os recursos, dividimos igualmente a água e os alimentos. Não sabíamos o que nos esperava naquela cidade.
A praça situava-se em uma esquina, decidimos nos separar. Kelly e eu fomos pela esquerda, Michael e Mary pela direita. Concordamos que, se não achássemos nada, nos encontraríamos ali mesmo naquela praça, dentro de 3 horas.

Kelly e eu andamos pela rua da esquerda, com as armas em mãos. Nada conversamos durante esse tempo, estávamos tensos demais para qualquer assunto. Ela não parava de mexer na arma, parecia nervosa, apontava a arma para cada sombra que encontrávamos.

Todas as casas da rua estavam vazias, vasculhamos uma a uma. Mas não importava o quão desertas pareciam, sempre tínhamos a impressão de que algo nos observava. Eu podia jurar que havia olhos nos encarando das janelas, mas quando entrávamos nas casas, não encontrávamos nada. Às vezes, víamos alguns movimentos nas sombras de becos, quando nos aproximávamos, não encontrávamos ninguém.

Até aquele momento não havíamos encontrado nem um único sinal de vida por todo o bairro. Infelizmente, a morte parecia estar em todo lugar. Não chegamos a nos deparar com mortos, mas era como se estivessem lá. O Cheiro era insuportável, o clima era pesado, a impressão era que a morte já havia passeado por ali, e deixara suas marcas.

Chegamos ao fim da rua, um cruzamento em forma de "T", só havia duas opções. Direita ou esquerda, o que será? Paramos ao centro dela, olhamos para os dois lados. Enquanto pensávamos em que direção rumaríamos, Kelly travou.

_Você ouviu isso? - Perguntou ela.

_Isso oque?

_Não sei ao certo... parece vir da direita... - Disse ela em dúvida.

Acenei com a cabeça. Tomamos o rumo da direita, ambos com as armas engatilhadas. Apenas alguns minutos andando e prestando atenção, o grito se repetiu. Desta vez eu pude ouvir, era uma voz feminina, um grito vindo de muito longe, mas a distancia não conseguia esconder o terror e o medo na voz daquela mulher.

Saímos correndo, entramos em outra rua a direita, nós dois já estávamos ofegantes de tanto correr. Seguimos reto por um tempo que pareceu horar, estávamos rumando em direção ao ponto de partida.

Cinco minutos nessa direção e ouvimos outro grito, agora mais próximo, era de Mary. Era possível perceber que vinha de uma rua logo à frente. Fomos até lá correndo como desesperados.

Infelizmente não era uma rua, era um beco, tinha algumas latas de lixo nas laterais e muitos papéis pelo chão. Mary estava do outro lado, com as costas contra a parede do fundo. Encurralada pelo que a princípio pensei serem cachorros. Havia pelo menos uma dúzia deles, todos rosnando, babando sem parar e olhando na direção dela. Vi que Mary os ameaçava com um pedaço de cano, ela o balançava de um lado para o outro, tentando impedir que as bestas se aproximassem. Assim que ela nos viu, apontou de leve para um canto do beco, onde vimos Michael caído e ferido, seu braço estava totalmente ensanguentado.

Notei que nenhum dos dois estavam com suas armas. Não pensei duas vezes, dei um chute na lata de lixo mais próxima para fazer barulho. Todos os cães se viraram contra mim, provavelmente perguntando-se quem ousava interromper seu momento de caça. Mostraram seus enormes dentes, e agora que pude olhá-los melhor, não eram exatamente cães, pareciam mais com lobos enormes, com garras afiadas e pelo eriçado. Eram pretos, somado ao sangue em seus pêlos dava um toque ainda mais assustador.

Os olhos daqueles bichos eram pequenos, porém não menos assustadores. Eram vermelhos, e vinham acompanhados por um desejo de matar.

Apontei minha arma repentinamente em direção ao da frente. Mas antes que eu pudesse atirar, um enorme lobo saltou da esquerda em minha direção, desferi um tiro por instinto logo que ele alcançava meu braço. O susto me fez cair para trás com a vista embaçada. Quando recuperei o foco, vi sangue em minhas vestes, passei a mão desesperadamente pelo corpo procurando por um ferimento, mas percebi que o sangue não era meu. Eu o acertara na boca bem a tempo, o enorme lobo jazia morto ao meu lado esquerdo. Já a pistola estava caída do lado direito, longe demais para que eu pudesse alcançá-la.

Segundos pareceram horas, vi mais um dos lobos negros pular contra mim. Sem a arma, só pude acompanhar seus olhos vermelhos vindo em minha direção, ele estava a milésimos de fazer de mim seu jantar. O pânico tomou conta do meu corpo. Fechei os olhos com força, virei o rosto por instinto. A morte estava vindo ao meu encontro!

O rosnado se aproximava. Tudo parecia em câmera lenta, impossível descrever se levaram horas ou segundos. Em meio ao meu desespero um tiro ecoa. Abri os olhos a tempo de ver o grande animal de aproximadamente 80 kg cair encima de mim, flácido e morto.Kelly o acertara em pleno ar. Ela estava tremendo, mas não hesitou em desferir mais tiros contra os outros lobos.

 Consegui tirar aquele peso de cima de mim e levantei com dificuldade. Agarrei a arma e fui a seu auxílio. Matei dois dos animais da frente. Depois, me virei contra um animal a minha direita. Eu havia acabado de matá-lo quando escutei um grito, Kelly havia ficado sem munição, e buscava o outro pente em seu bolso. Enquanto ainda tentava agarrar o objeto em seu bolso, um lobos foi correndo em sua direção. O lobo estava entre mim e ela, eu não podia arriscar um tiro, não poderia correr o risco de acertá-la. O lobo avançou em direção a perna dela.

Um tsunami de pensamentos me inundou com a velocidade de um raio. Me senti inútil, com a fragilidade de um espectador. Não havia o que ser feito. Eu ouvi Kelly gritar por ajuda, mas o que eu poderia fazer? Atirar poderia acertá-la, e ela estava longe demais para que eu pudesse chegar a tempo. Quando o enorme animal estava a menos de 2 metros, Kelly levou as mãos ao rosto para cobrir a visão.

Parecia impossível, o terror não me deixou pensar. Mary aparecera no ultimo segundo, correndo e gritando com o cano em suas mãos. Ela acertou a cabeça do animal pouco antes dele morder Kelly. Golpeou com tamanha força, que o lobo tombou sem vida.

Ela soltou o cano, ainda estava tremendo com a adrenalina, Kelly a abraçou sua salvadora com os olhos carregados de lágrimas. A coragem de Mary salvara sua vida. As duas começaram a chorar.

Eu atirei no ultimo lobo, depois fui em direção as garotas. Ambas estavam chorando e soluçando, mas estava tudo bem. Então corri na direção de Michael. Ele estava bem, mas recebera uma mordida no braço direito,  bem próximo ao ombro.

_Obrigado, achei que não viriam. – disse ele ofegante.

_Demos sorte de ouvirmos o grito de Mary. - Eu respondi, sem jeito.

_Não... - Ele começou meio triste. - Achei que mesmo assim não viriam.

_Nunca abandonaríamos nossos amigos. - Eu falei, dando bastante ênfase na palavra "amigos".

Ele pareceu satisfeito com a resposta. Dei meu ombro para ele se apoiar e caminhamos juntos até próximo as garotas. Ambas já estavam mais calmas.

Kelly se adiantou para analisar o braço de Michael. Rasgou um pedaço da própria camiseta e amarrou sobre o braço dele. Depois de alguns segundos, fechou a cara em uma expressão preocupada.

_Gente, vamos voltar, precisamos cuidar desta ferida.

Mas assim que nos viramos, vimos um homem parado na entrada do beco. A luz forte vinda detrás dele deixava impossível reconhecê-lo. Mas quando o homem falou, a confirmação veio até nós como um choque. Aquela voz grave e poderosa era inesquecível a qualquer um que já teve o desprazer de ouvi-la.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Contos Paralelos 2 - Visão do Coração

(não é exatamente um conto... mas ok, né)
=============================
Difícil descreve-la em versos
Impossível expressar-me com clareza
Mantendo meus olhos imersos
Nessas lágrimas de incertezas


És um ser angelical
Ó dona de minha paixão.
O seu sorriso matinal
É o desvio de minha razão.


Seu sorriso haverei de buscar
Na mais alta montanha da terra
E no inverno pretendo lhe dar
O calor da primavera.


Não há como explicar
O tamanho de minha emoção
Posso apenas exaltar
O que guardo em meu coração.
=============================

Capítulo 5 - A Morte

Estiquei a mão, e fiz sinal para Michael me passar a arma. Assim que a peguei, saí correndo escada acima, parei por um segundo frente à porta do nosso quarto, passei a mão pela maçaneta, respirei fundo e abri.

Entrei a tempo de ver Khaled deitado na cama ainda agonizando. Com o pescoço cortado, seu sangue ensopando o lençol, tingindo-o de vermelho. A camisa verde que usava estava tão molhada de sangue como se possa imaginar. Ele jazia de olhos arregalados, como se não tivesse tido tempo nem de fechá-los.


Na parede ao fundo do quarto, com o sangue do próprio Khaled, havia uma frase escrita à letras de forma, com uma caligrafia idêntica à do espelho.


Neste mundo não existe compaixão
Se desejam sobreviver, devem aprender a não confiar em ninguém.”

Corri os olhos pelo quarto, aquele maldito homem havia sumido. Os outros entraram correndo, parando estupefatos assim que viram o que tinha acontecido. Ninguém conseguia acreditar no que seus olhos viam.


As garotas começaram a chorar, estavam apavoradas, nos abraçamos todos os quatro, e ficamos ali, não sabíamos o que fazer. Khaled estava morto, o homem fugira, o medo já havia se alastrado. Só havia uma coisa a se fazer. Achar aquele desgraçado.


_Precisamos encontrar aquele velho filho da puta. – Falei, e Michael concordou com a cabeça. – Mas desta vez as garotas terão que vir conosco. Não podemos deixar mais ninguém sozinho, o risco é grande demais.


Elas pareciam relutantes, mas também não queriam ficar sozinhas depois do ocorrido. Todos nós vasculhamos a casa juntos. 30 minutos se passaram e nada do velho.


Ele parecia ter evaporado, não o encontramos em lugar nenhum. Era impossível ele ter saído sem que ninguém percebesse.


Desistimos de procurá-lo. Fiz sinal para Michael, fomos até o quarto dar um jeito no corpo de Khaled. O enrolamos em um lençol limpo, agarramos o corpo sem vida de nosso amigo (era relativamente leve, considerando o tanto que comia). O carregamos até o lado de fora, no quintal dos fundos da casa. Um grande pátio, sem nada, um grande e simples gramado a céu aberto. Pegamos um par de pás, e começamos a cavar.


As meninas nos observavam de longe. Seus rostos eram pura indignação.


Kelly chorava muito, Mary havia se aproximado e caído de joelhos ao lado do morto. Parecia rezar, mantinha-se de cabeça baixa e olhos fechados como se quisesse evitar que as lagrimas escapassem. Não funcionou.


Michael e eu ficamos ali, incapacitados. Tudo o que podíamos fazer era continuar a cavar e cavar. Michael não abriu a boca para falar durante todo o tempo. Mesmo não simpatizando com ninguém, ainda sim se mostrou muito respeitoso com o colega morto.


As lagrimas dos companheiros lavando a sepultura. Pareciam purificá-la. Continuamos ali parados por muito tempo, não sabíamos o que dizer, se é que havia algo a ser dito. Michael afastou-se, quando voltou trouxe consigo uma grande pedra da rua, pousou-a logo acima do local. Isso era tudo o que podíamos fazer, era o mais próximo de uma lápide que pudemos oferecer.


Quando voltamos para dentro, ainda com os olhos inchados pelo choro, encontramos o mesmo velho, parado no meio da sala, com um sorriso gélido nos lábios. Estava muito diferente, não tinha aparência cansada, estava com cabelo penteado e usava um terno preto, limpo e engomado.


Sem pensar e ainda em choque, saquei da arma e atirei bem em seu peito. Três tiros consecutivos contra o homem. Nenhuma das balas o atingiu. Atravessaram-no como se ele nem mesmo estivesse ali. Simplesmente percorreram seu caminho, até encontrarem-se com a parede logo atrás dele, deixando ali marcas bem visíveis para nos lembrar.


Ele gargalhou como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo, depois voltou seus olhos para nós, um por um. Seus olhos eram grandes órbitas negras, assustadoras como nada que já tinha visto. Olha-los era como encarar o vazio do Universo sem saber os perigos que se encontram lá. Somente o fato de encará-lo me dava calafrios.


Encarou cada um de nós individualmente. Tê-lo olhando para mim era como ser tocado pela própria Morte.


_Jorge!– Ele gritou, caindo na gargalhada mais uma vez. – Jorge? Como foram cair nessa? Vocês são mais burros do que eu pensava.


Sua voz era grave e poderosa, parecia balançar a estrutura da casa. Parecia abalar a estrutura de nossas próprias vidas. Fez uma pequena pausa, depois continuou.


_Vocês não passaram no primeiro teste, isso lhes custou à vida de seu amigo. Se preparem, muitos outros virão.


_Por que trouxe a gente aqui? – Gritei com raiva.


Ele me encarou como se questionasse a si mesmo se iria responder. E o que aconteceu depois? Ele desapareceu. Sumiu bem diante de nossos olhos. Pisquei e cocei os olhos algumas vezes. Ele simplesmente não estava mais lá.


Tudo bem, até aí a minha cota de bizarrices já estava lotada para uma vida inteira.


[...]


O resto do dia se passou lento e começou a chover. Uma chuva pesada e triste, como que para nos lembrarmos do que aconteceu. Passamos as horas seguintes no quarto das garotas. Levamos nossos colchões para lá, pois as garotas não queriam dormir sozinhas. Nós muito menos queríamos passar a noite naquele quarto ensanguentado.


Passamos o dia seguinte limpando o quarto. Era triste, um trabalho penoso que nunca gostaríamos de ter feito. Mas que era necessário.


Ter aquele sangue em nossas mãos, só nos fazia piorar. Nossa cabeça já estava cheia de perguntas, mas novos questionamentos pareciam não cansar de chegar.


É assim que acabaremos?

Estamos todos condenados?
Quanto tempo ainda temos de vida até que alguma coisa nos mate?

[...]


Pela manhã o sol apareceu, a chuva se dissipara. Resolvemos finalmente sair da casa para investigar aquele lugar. A tensão e o medo nos levaram a crer que tomar uma atitude era melhor do que sentar e esperar. Se fôssemos morrer, antes tentaríamos achar alguma forma de voltar para nosso lar.


Quando passamos pela dispensa, havia lá 4 pistolas com 3 carregadores cada. A casa nos dava tudo o que precisássemos. E naquele momento não havia nada mais útil. Parecia que nossa determinação de encontrar um meio de voltar nos motivou. Assim como motivou a casa a ficar do nosso lado.


Se nosso destino é morrer, antes havemos de lutar.

Contos Paralelos 1 - Vazio

Belíssima mansão, a mais linda pintura do vilarejo. Ali, as árvores eram as mais verdes, e seus frutos os maiores e mais bonitos. A grama mais bem aparada, o jardim mais rico e belo da região. Suas flores encantavam e perfumavam o que parecia ser um local dos sonhos!

Todos que a olhassem, caíam de inveja por sua deslumbrância. Não havia uma pessoa no vilarejo, que não sonhasse em um dia morar ali. “Eu seria muito mais feliz se morasse naquela mansão.”

Mas o que ninguém sabia, é que dentro daquela mansão não havia móveis, não havia quadros ou ornamentos. Dentro daquela enorme mansão só havia um espaço vazio, um eco sombrio a cada passo. Simplesmente, nada de beleza.

Quem um dia morou ali, hoje não mora mais. Quem um dia se preocupava em manter aquele interior, hoje vive de desgosto, apenas observando da sacada os olhos que passam pela rua, brilhando de admiração por algo que nem imaginam ser frio e nada verdadeiro!

Contos Paralelos:

  • O que serão os "Contos Paralelos"?
Apenas que um espaço para eu divulgar meus outros trabalhos. Sem interferir, é claro, na outra história que é publicada diariamente neste blog.
  • Com que frequência será publicado?
Não terá dias ou horários, mas farei o possível para estar sempre postando coisas novas.

Eu realmente espero que gostem.

Capítulo 4 - O Velho

Nossos corações quase pararam com o susto, não sabíamos o que fazer, as meninas começaram a chorar. Pedimos que as garotas ficassem no quarto e que trancassem a porta. Khaled, Michael e eu descemos para verificar.

Khaled e eu pegamos uma pá cada um e Michael estava com o revolver que encontramos ao lado do morto.

Michael desceu as escadas na frente, bem devagar e fazendo o mínimo de ruídos possível. Quando chegou lá embaixo, acenou para descermos também. Estava muito escuro, não podíamos ver quase nada. Escorreguei a mão pela parede até sentir o interruptor.

_Se preparem. – sussurrei. – vou ligar a luz.

Michael engatilhou a arma e tocou em meu ombro. Acendi!

Um homem de aparência meio velha estava em pé com as costas na porta, como se a escorasse. Parecia estar tentando impedir algo de entrar. Estava muito sujo, com medo e muito suado.Levou um susto quando ligamos a luz. Acho que não esperava encontrar alguém ali.

Tinha a pele clara, cabelos grisalhos e olhos grandes e cansados. Aparentava ter uns 50 anos de idade, não muito velho, mas via-se as marcas que o tempo deixara em seu rosto. Seu cabelo estava todo desarrumado, a roupa estava rasgada e os pés descalços. O senhor estava ofegante, tremendo. Parecia ter visto o próprio inferno do lado de fora e agora se esforçava para mantê-lo longe.

_ Quem é você? – berrou Michael, apontando a arma para o homem.

_ Shhhh. – disse ele levando o dedo à boca. – Por favor, fale baixo. Sua voz era baixa, mas carregada de medo.

O homem abriu a porta só um centímetro para que pudesse olhar através da fresta, depois a fechou. Em seguida, muito cansado, escorregou as costas pela porta e sentou.

_Quem é você? – Repetiu Michael, porém com um tom mais calmo. Mas o homem parecia ter desmaiado.

Depois de dez minutos conseguimos reanima-lo, o levamos até a cozinha. O homem parecia morto de sede, bebeu 2 copos d’água sem pausa nem para respirar. Em seguida, encheu mais um, tomou um gole e repousou o copo na mesa à sua frente.

Parecia mais calmo, a respiração parecia ter estabilizado.

_Quem é você? – Perguntou Khaled, aproveitando a folga do velho.

_Eu sou Jorge, o  dono desta casa, garoto. Quem são VOCÊS?

Mal acreditamos no que ouvimos. Estamos loucos? Este é realmente o dono desta casa?

_Achamos que não havia dono. Toda a cidade estava vazia. Além do mais, esta era a única casa que não estava trancada. – Michael falou.

_Então vocês fazem ideia do meu susto, quando chego e encontro minha casa trancada e com estranhos?

_Desculpe, não queríamos assustá-lo – Eu disse, rapidamente. – Meu nome é John. Estes são Michael e Khaled. – Falei, apontando os companheiros, respectivamente. – Então o senhor mora aqui sozinho?

_E eu alguma hora disse que morava aqui? Eu disse que sou Dono deste lugar, não vivo aqui. Este lugar é perigoso demais para se viver. Tem mais alguém na casa, além dos três?

Subi e trouxe as meninas comigo. – Estas são Kelly e Mary.

_Pois deem o fora daqui assim que puderem. Este não é lugar para se viver. Eu vou lá para cima descansar.

_Antes que vá... – Comecei, mal sabendo como continuar. – Quando chegamos aqui, havia um corpo no corredor. Aparentemente se matara.

_Outra vez? – Mas pareceu perguntar mais a si mesmo do que para nós. Viu nossos olhos arregalarem-se assim que ouvimos, então continuou. – Vou explicar. Sempre que chego aqui, há um corpo nessa droga de casa. Gente como vocês, usam a casa para esconderem-se. A maioria se mata depois de alguns dias. Me admira estarem vivos.

_E por que se matam? – Perguntamos todos em uníssono.

_Isso já não é problema meu. De qualquer forma, se permanecerem aqui por muito mais tempo acabarão descobrindo por conta própria. Podem utilizar a casa, eu os autorizo. Só vim pegar algumas coisas, partirei à tarde. Agora vou lá para cima descansar.

E saiu a passos pesados pela escada. Khaled foi com ele, disse que não dormiu bem esta noite e tiraria mais um cochilo.

Kelly foi preparar o café da manhã. Mary se ofereceu para ajudá-la. Ovos mexidos com bacon, as garotas realmente capricharam. Porém, mal tocamos na comida, estávamos tensos demais para comer. As palavras daquele homem deixaram todo mundo abalado. “Se permanecerem aqui por muito mais tempo, acabarão descobrindo...". É, não sei se quero descobrir.

Levantei-me ainda com o prato pela metade, não tinha intenção de terminá-lo. Resolvi acordar Khaled, se não descesse logo a comida esfriaria. E só vivendo com ele para entender como ele fica de mau humor, quando a comida está fria.

Logo que eu estava saindo da cozinha para chamá-lo, um grito me fez parar. Um grito de pânico, e pedia por socorro. Vinha do andar de cima.

Era indiscutivelmente a voz de Khaled.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Nova Parceria: Chata Nível Máximo

Gente, venho trazer uma ótima notícia para vocês: ESTAMOS COM UMA NOVA PARCERIA

E de quem é, Chris? fala logo!
>Calma gente, não precisam se exaltar.

E nosso novo parceiro, é o belíssimo Blog e Vlog Chata Nível Máximo, da minha grande amiga Geisieli Andrade. Ela é, com toda certeza, uma menina batalhadora, de caráter e personalidade forte. Ela não se deixa levar pelo que as pessoas querem ver. Ela vem para mostrar o que acha desse mundo, expor sua opinião de maneira marcante. Não deixem de conferir.

Deem uma olhada em um dos seus vídeos:


Gente, os vídeos dela são muito bons, continuem acompanhando pelo Blog: Chata Nível Máximo e também pelo Vlog do youtube: CNM

Capítulo 3 - O Sonho

Quando saímos da casa na manhã posterior, o cenário havia mudado. Não sabíamos como era possível, mas todas aquelas casas bonitas do bairro, aqueles jardins floridos e as praças arborizadas... estavam todos destruídos. As casas estavam desbotadas, com telhado caindo, as flores nos parapeitos haviam murchado e morrido, os jardins estavam acabados. Era como se houvesse passado anos desde a ultima vez que estivemos naquela rua. E o mais estranho de tudo, nossa casa permanecia intacta, como a primeira vez que a vimos.

[...]

Já estávamos ali por 3 dias, vasculhamos todas as casinhas do bairro, todas completamente vazias. Parecia que nossa casa (se é que posso chamar assim) era o único lugar com alguma espécie de vida.

Durante esses dias tivemos muito tempo pra conversar, e começamos a nos conhecer.

Khaled era o brincalhão, sem mais explicações, era o palhaço entre nós, o extrovertido, sempre fazendo piada de tudo, como se não se importasse com o fato de estar perdido em um mundo totalmente desconhecido. Tinha o cabelo de tamanho que já lhe cobria as orelhas, olhos grandes, sobrancelhas grossas e rosto fino, como todo bom libanês por ai. Além de passar boa parte de seu tempo livre comendo ou dormindo. Serio, eu não fazia ideia de como alguém poderia viver assim.

 Já Mary, garota bonita de 25 anos. Era do tipo vaidosa, daquelas que frequentam academia e fazem dietas rigorosas. Parecia capaz de tudo para ficar bem com o que visse no espelho. Tinha cabelo castanho, com luzes, o rosto bonito e uma boca pequena muito vermelha, como se estivesse 24 horas por dia passando batom.

Michael? Era um idiota, daqueles que assim que você o vê, já pensa “é mais um daqueles sedentários, que passa o dia na frente da TV  bebendo cerveja”. Tinha pouco cabelo, era gordo e sempre usava aquelas camisetas regatas de basquete dos EUA. Era chato, e queria sempre dar ordens, ninguém ali se dava muito bem com ele.

Mas Kelly, ao contrario de Mary, era a mulher que não se importava com a aparência. Parecia pensar mais nos outros que em si própria, estando sempre se pondo a nos ajudar. Era do tipo de mulher que veste roupas largas, não passa maquiagem, mas mesmo assim era de uma beleza estonteante. Com cabelos negros e lisos, baixa e um corpo de dar inveja. Tinha olhos negros, de olhares ingênuos. Era com quem eu mais tinha afinidade ali, sempre que podíamos estávamos conversando, ela me falava da vida que tinha na Coréia. Mas sempre parecia ter algo a esconder.

Porém sempre que ela perguntava sobre mim ou sobre minha vida, a resposta era a mesma: um olhar desviado para não encará-la nos olhos, balançava a cabeça lentamente e dizia que não havia o que falar sobre minha vida. Dizia que era apenas normal e tranquila. Mas já estava ficando óbvio que era mentira, dava para ver o ar de curiosidade em seus olhos. Ela evitava, mas eu sabia que ela estava impaciente em saber o que me atormentava.

[...]

Se você se pergunta o que fizemos com aquele corpo que encontramos no segundo andar. A resposta é que depois de uma conversa entre nós, decidimos enterrá-lo em um terreno a algumas quadras dali. Achamos algumas pás na despensa da casa, e ninguém teve objeção contra isso.

A arma nós guardamos, um revolver do qual não sei o modelo, não sou muito bom no assunto. Decidimos nos prevenir, se tinha algum bom motivo para aquele homem ter se matado, resolvemos não descuidar.

O estranho era que a casa parecia atender nossas necessidades. O primeiro susto foi quando vimos os guarda-roupas dos quartos, de inicio, estavam todos vazios, no outro dia, estavam cheios de roupas, e todas nos serviam. Também havia as pás que usamos para enterrá-lo, além de algumas outras coisas que encontramos pela casa, mas podíamos jurar que não estavam lá antes.

O armário e a geladeira sempre estavam cheios, como se a casa soubesse tudo o que mais gostamos. Sempre que abríamos a despensa, parecia haver mais. Sempre que sentíamos vontade de comer algo, era só procurar, pois sabíamos que em algum lugar iríamos encontrar. Era como se a casa nos ouvisse, e nos atendesse.

Porém, descobri da pior maneira que ela também cobrava um preço alto. Na primeira noite tive pesadelos, pensei ser por estar com medo, por estar ali, e não ter como voltar para casa. Mas todas as noites foram iguais. Isso passou a ser algo comum, eu já tinha receio de dormir, para não ter que sonhar.

Essa noite não foi diferente. Assim que peguei no sono, a imagem daquele homem morto do corredor me ocupou a mente. A cena era horrível, a pele dele estava branca e gelada, com olheiras roxas em volta dos olhos. Sem falar no sangue, havia muito sangue.

De repente o sonho mudou, não estava mais naquele corredor. Era um local amplo e negro, com paredes de pedras, como masmorras de castelos. Tudo parecia real, eu podia sentir o chão frio sob os pés descalços. Dava até para sentir o cheiro de bolor, que parecia já estar impregnado naquelas paredes.

E aquele homem estava lá, parado em pé à minha frente. Mas desta vez, não parecia morto.

_Q-Quem é você? – Perguntei com a voz falhando, mas ele pareceu não dar ouvidos.

Continuou me olhando com olhos arregalados, não piscava e não se mexia. Talvez estivesse mesmo morto. Mas eu não tinha tanta sorte, de repente, ele respirou fundo, e começou a falar com uma voz baixa e rouca, quase inaudível.

_O papel de vocês é importante neste lugar. A jornada será longa e difícil, os testes parecerão impossíveis. Mas se quiserem sobreviver, terão que aprender a superar seus medos. Só sairão vivos, os que provarem seu valor.

Acordei sobressaltado, estava com a respiração irregular, e meu cérebro estava a mil. Mal conseguia pensar. Olhei pela janela, já estava amanhecendo, resolvi levantar. Mas antes que pudesse sair da cama, escutei uma batida na porta do andar de baixo, uma única pancada, com força tremenda.

O som foi suficiente para acordar a todos nós. Olhei para as demais camas do quarto, Michael e Kalhed acordaram com um susto e já estavam levantando. Corremos os três para o quarto das meninas, ambas estavam de pé, extremamente assustadas. Eu não podia culpá-las. 

Todos nós nos encaramos sem saber o que fazer. Somente com a angústia de querer saber o que estava acontecendo lá fora. 

Logo em seguida uma outra pancada muito mais forte que a anterior. Parecia que a casa inteira tivesse balançado, as meninas se encolheram com o barulho.

Na terceira vez, a porta cedeu.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Capítulo 2 - O Corpo

A forte luz vinda de trás daquela porta nos cegou por um tempo, era quase impossível encara-la diretamente. Nos entreolhamos, todos extremamente assustados. Mesmo assim, era com se disséssemos: “E aí? Vamos?”.

Andamos em direção a porta com a mão fazendo sombra para os olhos. Logo que passamos, a porta se fechou quase que instantaneamente, fazendo um enorme estrondo.

Olhamos em volta, absorvendo cada detalhe. Uma rua como de uma pequena vila, com casas muito bem decoradas, com pinturas novas, e flores em seus jardins. Lembravam-me dos chalés que visitei quando fui à praia com meus pais, no verão passado. Mas agora, isso parecia uma lembrança de um passado muito distante. Avistei uma praça com vários bancos e cheia de árvores, o lugar era simplesmente lindo. Exceto pelo fato de estar completamente deserto. Não havia ninguém, não havia som, simplesmente o nada.

Por mais que as casas estivessem bonitas, arrumadas e com as flores dos jardins bem cuidadas, a impressão que tínhamos era de que ninguém estivera ali por dias, ou talvez nunca alguém estivera.

Depois de andarmos por todas as ruas a procura de alguém, acabamos confirmando o que havíamos pensado. O local estava deserto. Voltamos ao ponto de partida, pois acreditamos que podíamos tê-lo como um marco. Agora, olhando pelo lado de fora, realmente parecia que havíamos saído de um imenso castelo, mas não se engane com o que assistiu quando criança, sobre castelos mágicos e príncipes encantados. Aquilo estava mais para uma Fortaleza (sim, com “F” maiúsculo. Aquela enorme construção negra parecia viva.).

Chequei a porta de uma das casa mais próxima, estava aberta. A primeira que encontramos aberta, até o momento. Fui entrando, ignorando o choramingo da Kelly, dizendo que era errado entrar na casa de outra pessoa dessa forma. 


"Bom, não tem ninguém mesmo”- pensei..

Entramos, era uma casa simples e aconchegante. Uma ampla sala, com 2 sofás de 3 lugares no centro, um de frente para o outro. Na estante ao lado haviam vários livros, revistas e objetos de decoração. Nas prateleiras mais acima, vários porta-retratos, imagens de uma família e suas recordações. Porém, era impossível identificar quem eram. Todos os rostos estavam borrados, como uma fumaça que cobria as feições de cada um.

As paredes dali eram de um azul claro, que dava ao ambiente um ar de calmaria. A cozinha toda arrumada com pratos, talheres, copos e panelas, tudo em seu devido lugar. A geladeira também estava cheia, e Khaled já foi se adiantando pra fazer um sanduíche.


_O que? Esse lugar me deixou com fome. – disse ele com a boca cheia.

Eu me dirigi  até a escada que levava ao andar de cima. Assustei-me ao ver um tênue fio de sangue escorrendo escada abaixo.

_Gente! Acho que vão querer ver isso.

Aproximaram-se todos, menos Khaled, ainda na cozinha com seu sanduíche pela metade.

_Precisamos ir lá investigar! – Falou Michael, mas era possível ver um tom de medo em sua voz.

_Khaled! – Gritei – Fique aqui com as garotas, eu e Michael vamos subir para verificar.

Ele balançou a cabeça em sentido afirmativo, levando o ultimo pedaço de pão à boca.

A escada fazia uma curva para esquerda em meio à subida, e era impossível ver o andar de cima. Subimos nos esgueirando pela parede, bem devagar. O que encontramos lá em cima nos embrulhou o estomago, um corpo.

O homem não parecia de muita idade, mas mesmo assim carregava muitas rugas em seu rosto, marcas de sofrimento e preocupação. Jazia sentado em uma cadeira bem no meio do corredor com um tiro na cabeça, uma arma estava caída a poucos centímetros de distância da dele, um suicídio.

Estava tudo muito ensanguentado, havia respingo de sangue nas paredes, no chão e até mesmo no teto. Cobri o nariz com minha mão, pois o cheiro estava insuportável.

Havia 3 portas ali, uma de cada lado do corredor e outra no fim. Já que estávamos ali, preferimos investigar. Michael deu a volta no corpo e abriu com cuidado a porta da direita, eu entrei logo atrás dele.

Era um quarto feminino, todo pintado de rosa. Mobiliado apenas por 2 camas com lençóis brancos, um criado-mudo entre elas e um guarda-roupa, que constatamos estar vazio.

Seguimos para a da esquerda. Também um quarto, igual ao outro, porém azul e com 3 camas com lençóis (também) brancos. Um guarda-roupa, um criado mudo, nada que já não tivéssemos visto.

Nos entreolhamos, sabíamos exatamente o que se passava, não poderia ser coincidência. Estávamos em cinco, éramos 3 homens e 2 mulheres. Não, realmente não poderia ser coincidência.

Fomos ambos em direção a porta no fim do corredor. Abrimos e encontramos um banheiro completamente limpo e organizado, grande e espaçoso, digno de um hotel de luxo.

Na porta debaixo da pia, havia de tudo. Um estoque dos melhores produtos que alguém possa imaginar. Estava tudo lá, intocado, como que a espera de alguém para usá-los.

Abrimos o espelheiro, dentro, havia mais materiais de higiene. Quando o fechamos, levamos um baita susto, o espelho estava embaçado, mas jurávamos não haver vapor ali, e estávamos longe demais para que nossa respiração pudesse fazer algo. De repente, letras começaram a surgir, como se fossem escritas por um dedo fino e invisível. Uma caligrafia irregular, com letra de forma, cada letra saindo mais tremida que a anterior.

“Aqui não existe piedade
Aqui a lei é sobreviver
Aproveitem a estadia."

domingo, 17 de novembro de 2013

Capítulo 1 - O Desconhecido

Meu nome é John, tenho 20 anos. Mas não levo uma vida que se possa chamar de normal. Não depois daquele dia...

Tive uma noite difícil, mal conseguia pegar no sono. Passei horas a fio pensando na vida, dentre outras coisas, pensando no que havia feito no passado e que hoje me custam um alto preço. Mas com grande apreço, e depois de muitas horas adormeci.


Já de manhã, abri os olhos, e não pude acreditar no que via. Eu não estava em minha casa!


Olhei em volta assustado, era um quarto, iluminado apenas por uma pequena janela no alto. Havia uma cômoda no canto, com um pequeno abajur em cima, além da cama de casal, da qual estive dormindo. Fora isso, estava tudo parado, vazio e sem vida.


Levantei devagar, tudo parecia lento, as paredes eram de pedra, o piso de cimento bruto estava gelado. Tinha grades na janela e a imensa porta de madeira escura estava trancada.


Fui em direção ao abajur. Quando o peguei e o olhei de perto, não sei se estava louco, mais posso jurar que vi rostos, com medo, gritando em desespero, e o mais estranho, eu não conseguia ver seus olhos. E quanto mais prestava atenção, mais familiares me pareciam.


Vasculhei as gavetas da cômoda, procurando algo. Estavam vazias, com exceção da última, onde tinha uma chave prata, enorme, de um formato que me parecia único, com uma caveira incrustada no cabo. Peguei-a, e vi que havia um bilhete colado atrás, onde pude ler: “Seja bem vindo ao seu pior PESADELO".


Pude sentir a cor deixando meu rosto, um frio subiu por minha espinha, e um arrepio percorreu todo meu corpo. Então é isso? É assim que se sente quando se está com medo?


Olhei para a porta, parecia-me sobrenatural, uma madeira escura como chumbo, e exalava um sentimento de solidão, uma solidão fria, que eu podia sentir só de encará-la. Coloquei aquela chave na fechadura, e no mesmo instante, girou sozinha, como por mágica.


A porta se abriu sem barulho, dava para uma escadaria, que descia tão longe que meus olhos não puderam ver onde acabava. Fui descendo, e conforme percorria o caminho frio e úmido, observei que na parede, quadros se formavam com molduras ensanguentadas.


Logo fui reconhecendo as imagens, era eu, estava vendo cenas de minha vida, os primeiros quadros, de quando ainda bebê, e depois de minha infância e aumentando gradativamente. Todas, de coisas ruins, coisas que fiz, ou até mesmo, de coisas que queria ou pensei em fazer. O meu choque era ver, que em todas as imagens, eu também não podia ver meus olhos, no lugar, somente órbitas negras e vazias. Olhares de quem não aparentava querer viver.


Eu não podia tirar os olhos daqueles quadros, eles me chamavam, me puxavam como imãs atraem o ferro. Pareciam me desafiar, pareciam querer lembrar-me de todos os momentos, que passei a vida tentando esquecer.


15 minutos descendo, assustado, e chorando. Finalmente cheguei ao fim, encontrei uma porta de madeira negra, igualmente assustadora como a do quarto, ela se abriu logo que me aproximei.


Atrás de mim, a porta se fechou, levei uns segundos para me acostumar à luminosidade intensa do lugar. Um salão totalmente branco, e enorme. Lá eu pude ver 4 pessoas, 2 mulheres, e 2 homens. Todos pareciam de lugares diferentes, uma tinha ares orientais, outro, identifiquei como muçulmano. A outra mulher e o homem - que era um pouco mais gordo que os demais - se pareciam como eu, porem muito mais brancos, o que me levou a crer que eram de locais ao norte.


O salão era redondo, com 6 portas, 5 como a de que acabei de sair, provavelmente, uma para cada um de nós. E uma porta dupla à frente, tão grande que precisei olhar para cima para ver onde acabava. 15 metros, no mínimo, eu pensei. Me lembrava aquelas grandes portas de entrada de castelos medievais.


Todos me olharam surpresos quando cheguei. Pude ouvir um cochicho de “finalmente”.


_Olá – eu disse meio que com vergonha, e com os olhos ainda lacrimejando depois de tudo que vi naqueles malditos quadros.


_ Oi – foram respondendo um a um.


_ Como se chama? – Perguntou a moça oriental.


_ John – respondi. – Onde estou?


Percebi que desviaram o olhar, eles também não sabiam a resposta. Uns olharam para o chão, com a cara fechada e triste, outros balançaram a cabeça, vi que ninguém aqui fazia ideia de como vieram parar nesse lugar.


Logo, foram se apresentando de um por um.


_ Sou Khaled – disse o homem que acreditei ser muçulmano.


_ Kelly – falou a oriental.


_ Me chamo Michael – disse o mais gordinho, e por sinal, mais velho dentre todos.


_ Mary – disse a ultima com um sotaque que pude reconhecer facilmente. Ela percebeu que prestei atenção, e completou – Sou Francesa.


Começamos a conversar, sentados ali mesmo, no chão. Todos partilhamos da mesma história: “simplesmente acordei aqui, encontrei uma chave, passei por uma escadaria horrível, e acabei nesse lugar”.


Já havia se passado mais ou menos 1 hora, e começamos a ficar preocupados em como sair deste lugar, e por mais que tentássemos, não importava o quanto empurrávamos aquela enorme porta não abria.


_O jeito é sentar e esperar. – falou Michael cansado, depois de empurrar e esmurrar em vão à porta.


_Não podemos ficar aqui parados! – Falei já com a raiva subindo à cabeça. – Temos que achar um jeito de sair daqui. E pra começar, quem que te disse que você é o líder?


_ Eu fui o primeiro a chegar aqui garoto, e sou mais velho que todos vocês.


_ Mas me parece bem mais burro que todos nós também! Não está entendendo a gravidade da situação? Aposto que nem percebeu que não estamos falando a mesma língua...


Michael se fez em um ar de susto, depois olhou para o lado como se estivesse pensando.


_ ... Você é de onde mesmo? - perguntei


_EUA.


_...Bom, eu sou brasileiro, Mary é francesa, Khaled é turco...


_ Na verdade, sou libanês. – disse ele interrompendo.


_Dá no mesmo... Bom, Kelly é...?


_Coreana - completou ela.


_...Você já parou para pensar como estamos nos entendendo tão bem?


Michael fez menção de responder, mais antes que ele pudesse dizer algo, a imensa porta dupla se abriu com um rangido.
"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem." - Mario Quintana