OBS:

Dedico minhas horas vagas a escrita. Mas a ideia de publicá-las nunca me havia ocorrido.
Assim, dedico essa história a Lorrana e a Patrícia, que me apoiaram, ajudaram e me encorajaram.
-Obrigado

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Capítulo 3 - O Sonho

Quando saímos da casa na manhã posterior, o cenário havia mudado. Não sabíamos como era possível, mas todas aquelas casas bonitas do bairro, aqueles jardins floridos e as praças arborizadas... estavam todos destruídos. As casas estavam desbotadas, com telhado caindo, as flores nos parapeitos haviam murchado e morrido, os jardins estavam acabados. Era como se houvesse passado anos desde a ultima vez que estivemos naquela rua. E o mais estranho de tudo, nossa casa permanecia intacta, como a primeira vez que a vimos.

[...]

Já estávamos ali por 3 dias, vasculhamos todas as casinhas do bairro, todas completamente vazias. Parecia que nossa casa (se é que posso chamar assim) era o único lugar com alguma espécie de vida.

Durante esses dias tivemos muito tempo pra conversar, e começamos a nos conhecer.

Khaled era o brincalhão, sem mais explicações, era o palhaço entre nós, o extrovertido, sempre fazendo piada de tudo, como se não se importasse com o fato de estar perdido em um mundo totalmente desconhecido. Tinha o cabelo de tamanho que já lhe cobria as orelhas, olhos grandes, sobrancelhas grossas e rosto fino, como todo bom libanês por ai. Além de passar boa parte de seu tempo livre comendo ou dormindo. Serio, eu não fazia ideia de como alguém poderia viver assim.

 Já Mary, garota bonita de 25 anos. Era do tipo vaidosa, daquelas que frequentam academia e fazem dietas rigorosas. Parecia capaz de tudo para ficar bem com o que visse no espelho. Tinha cabelo castanho, com luzes, o rosto bonito e uma boca pequena muito vermelha, como se estivesse 24 horas por dia passando batom.

Michael? Era um idiota, daqueles que assim que você o vê, já pensa “é mais um daqueles sedentários, que passa o dia na frente da TV  bebendo cerveja”. Tinha pouco cabelo, era gordo e sempre usava aquelas camisetas regatas de basquete dos EUA. Era chato, e queria sempre dar ordens, ninguém ali se dava muito bem com ele.

Mas Kelly, ao contrario de Mary, era a mulher que não se importava com a aparência. Parecia pensar mais nos outros que em si própria, estando sempre se pondo a nos ajudar. Era do tipo de mulher que veste roupas largas, não passa maquiagem, mas mesmo assim era de uma beleza estonteante. Com cabelos negros e lisos, baixa e um corpo de dar inveja. Tinha olhos negros, de olhares ingênuos. Era com quem eu mais tinha afinidade ali, sempre que podíamos estávamos conversando, ela me falava da vida que tinha na Coréia. Mas sempre parecia ter algo a esconder.

Porém sempre que ela perguntava sobre mim ou sobre minha vida, a resposta era a mesma: um olhar desviado para não encará-la nos olhos, balançava a cabeça lentamente e dizia que não havia o que falar sobre minha vida. Dizia que era apenas normal e tranquila. Mas já estava ficando óbvio que era mentira, dava para ver o ar de curiosidade em seus olhos. Ela evitava, mas eu sabia que ela estava impaciente em saber o que me atormentava.

[...]

Se você se pergunta o que fizemos com aquele corpo que encontramos no segundo andar. A resposta é que depois de uma conversa entre nós, decidimos enterrá-lo em um terreno a algumas quadras dali. Achamos algumas pás na despensa da casa, e ninguém teve objeção contra isso.

A arma nós guardamos, um revolver do qual não sei o modelo, não sou muito bom no assunto. Decidimos nos prevenir, se tinha algum bom motivo para aquele homem ter se matado, resolvemos não descuidar.

O estranho era que a casa parecia atender nossas necessidades. O primeiro susto foi quando vimos os guarda-roupas dos quartos, de inicio, estavam todos vazios, no outro dia, estavam cheios de roupas, e todas nos serviam. Também havia as pás que usamos para enterrá-lo, além de algumas outras coisas que encontramos pela casa, mas podíamos jurar que não estavam lá antes.

O armário e a geladeira sempre estavam cheios, como se a casa soubesse tudo o que mais gostamos. Sempre que abríamos a despensa, parecia haver mais. Sempre que sentíamos vontade de comer algo, era só procurar, pois sabíamos que em algum lugar iríamos encontrar. Era como se a casa nos ouvisse, e nos atendesse.

Porém, descobri da pior maneira que ela também cobrava um preço alto. Na primeira noite tive pesadelos, pensei ser por estar com medo, por estar ali, e não ter como voltar para casa. Mas todas as noites foram iguais. Isso passou a ser algo comum, eu já tinha receio de dormir, para não ter que sonhar.

Essa noite não foi diferente. Assim que peguei no sono, a imagem daquele homem morto do corredor me ocupou a mente. A cena era horrível, a pele dele estava branca e gelada, com olheiras roxas em volta dos olhos. Sem falar no sangue, havia muito sangue.

De repente o sonho mudou, não estava mais naquele corredor. Era um local amplo e negro, com paredes de pedras, como masmorras de castelos. Tudo parecia real, eu podia sentir o chão frio sob os pés descalços. Dava até para sentir o cheiro de bolor, que parecia já estar impregnado naquelas paredes.

E aquele homem estava lá, parado em pé à minha frente. Mas desta vez, não parecia morto.

_Q-Quem é você? – Perguntei com a voz falhando, mas ele pareceu não dar ouvidos.

Continuou me olhando com olhos arregalados, não piscava e não se mexia. Talvez estivesse mesmo morto. Mas eu não tinha tanta sorte, de repente, ele respirou fundo, e começou a falar com uma voz baixa e rouca, quase inaudível.

_O papel de vocês é importante neste lugar. A jornada será longa e difícil, os testes parecerão impossíveis. Mas se quiserem sobreviver, terão que aprender a superar seus medos. Só sairão vivos, os que provarem seu valor.

Acordei sobressaltado, estava com a respiração irregular, e meu cérebro estava a mil. Mal conseguia pensar. Olhei pela janela, já estava amanhecendo, resolvi levantar. Mas antes que pudesse sair da cama, escutei uma batida na porta do andar de baixo, uma única pancada, com força tremenda.

O som foi suficiente para acordar a todos nós. Olhei para as demais camas do quarto, Michael e Kalhed acordaram com um susto e já estavam levantando. Corremos os três para o quarto das meninas, ambas estavam de pé, extremamente assustadas. Eu não podia culpá-las. 

Todos nós nos encaramos sem saber o que fazer. Somente com a angústia de querer saber o que estava acontecendo lá fora. 

Logo em seguida uma outra pancada muito mais forte que a anterior. Parecia que a casa inteira tivesse balançado, as meninas se encolheram com o barulho.

Na terceira vez, a porta cedeu.

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"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem." - Mario Quintana