OBS:

Dedico minhas horas vagas a escrita. Mas a ideia de publicá-las nunca me havia ocorrido.
Assim, dedico essa história a Lorrana e a Patrícia, que me apoiaram, ajudaram e me encorajaram.
-Obrigado

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Capítulo 5 - A Morte

Estiquei a mão, e fiz sinal para Michael me passar a arma. Assim que a peguei, saí correndo escada acima, parei por um segundo frente à porta do nosso quarto, passei a mão pela maçaneta, respirei fundo e abri.

Entrei a tempo de ver Khaled deitado na cama ainda agonizando. Com o pescoço cortado, seu sangue ensopando o lençol, tingindo-o de vermelho. A camisa verde que usava estava tão molhada de sangue como se possa imaginar. Ele jazia de olhos arregalados, como se não tivesse tido tempo nem de fechá-los.


Na parede ao fundo do quarto, com o sangue do próprio Khaled, havia uma frase escrita à letras de forma, com uma caligrafia idêntica à do espelho.


Neste mundo não existe compaixão
Se desejam sobreviver, devem aprender a não confiar em ninguém.”

Corri os olhos pelo quarto, aquele maldito homem havia sumido. Os outros entraram correndo, parando estupefatos assim que viram o que tinha acontecido. Ninguém conseguia acreditar no que seus olhos viam.


As garotas começaram a chorar, estavam apavoradas, nos abraçamos todos os quatro, e ficamos ali, não sabíamos o que fazer. Khaled estava morto, o homem fugira, o medo já havia se alastrado. Só havia uma coisa a se fazer. Achar aquele desgraçado.


_Precisamos encontrar aquele velho filho da puta. – Falei, e Michael concordou com a cabeça. – Mas desta vez as garotas terão que vir conosco. Não podemos deixar mais ninguém sozinho, o risco é grande demais.


Elas pareciam relutantes, mas também não queriam ficar sozinhas depois do ocorrido. Todos nós vasculhamos a casa juntos. 30 minutos se passaram e nada do velho.


Ele parecia ter evaporado, não o encontramos em lugar nenhum. Era impossível ele ter saído sem que ninguém percebesse.


Desistimos de procurá-lo. Fiz sinal para Michael, fomos até o quarto dar um jeito no corpo de Khaled. O enrolamos em um lençol limpo, agarramos o corpo sem vida de nosso amigo (era relativamente leve, considerando o tanto que comia). O carregamos até o lado de fora, no quintal dos fundos da casa. Um grande pátio, sem nada, um grande e simples gramado a céu aberto. Pegamos um par de pás, e começamos a cavar.


As meninas nos observavam de longe. Seus rostos eram pura indignação.


Kelly chorava muito, Mary havia se aproximado e caído de joelhos ao lado do morto. Parecia rezar, mantinha-se de cabeça baixa e olhos fechados como se quisesse evitar que as lagrimas escapassem. Não funcionou.


Michael e eu ficamos ali, incapacitados. Tudo o que podíamos fazer era continuar a cavar e cavar. Michael não abriu a boca para falar durante todo o tempo. Mesmo não simpatizando com ninguém, ainda sim se mostrou muito respeitoso com o colega morto.


As lagrimas dos companheiros lavando a sepultura. Pareciam purificá-la. Continuamos ali parados por muito tempo, não sabíamos o que dizer, se é que havia algo a ser dito. Michael afastou-se, quando voltou trouxe consigo uma grande pedra da rua, pousou-a logo acima do local. Isso era tudo o que podíamos fazer, era o mais próximo de uma lápide que pudemos oferecer.


Quando voltamos para dentro, ainda com os olhos inchados pelo choro, encontramos o mesmo velho, parado no meio da sala, com um sorriso gélido nos lábios. Estava muito diferente, não tinha aparência cansada, estava com cabelo penteado e usava um terno preto, limpo e engomado.


Sem pensar e ainda em choque, saquei da arma e atirei bem em seu peito. Três tiros consecutivos contra o homem. Nenhuma das balas o atingiu. Atravessaram-no como se ele nem mesmo estivesse ali. Simplesmente percorreram seu caminho, até encontrarem-se com a parede logo atrás dele, deixando ali marcas bem visíveis para nos lembrar.


Ele gargalhou como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo, depois voltou seus olhos para nós, um por um. Seus olhos eram grandes órbitas negras, assustadoras como nada que já tinha visto. Olha-los era como encarar o vazio do Universo sem saber os perigos que se encontram lá. Somente o fato de encará-lo me dava calafrios.


Encarou cada um de nós individualmente. Tê-lo olhando para mim era como ser tocado pela própria Morte.


_Jorge!– Ele gritou, caindo na gargalhada mais uma vez. – Jorge? Como foram cair nessa? Vocês são mais burros do que eu pensava.


Sua voz era grave e poderosa, parecia balançar a estrutura da casa. Parecia abalar a estrutura de nossas próprias vidas. Fez uma pequena pausa, depois continuou.


_Vocês não passaram no primeiro teste, isso lhes custou à vida de seu amigo. Se preparem, muitos outros virão.


_Por que trouxe a gente aqui? – Gritei com raiva.


Ele me encarou como se questionasse a si mesmo se iria responder. E o que aconteceu depois? Ele desapareceu. Sumiu bem diante de nossos olhos. Pisquei e cocei os olhos algumas vezes. Ele simplesmente não estava mais lá.


Tudo bem, até aí a minha cota de bizarrices já estava lotada para uma vida inteira.


[...]


O resto do dia se passou lento e começou a chover. Uma chuva pesada e triste, como que para nos lembrarmos do que aconteceu. Passamos as horas seguintes no quarto das garotas. Levamos nossos colchões para lá, pois as garotas não queriam dormir sozinhas. Nós muito menos queríamos passar a noite naquele quarto ensanguentado.


Passamos o dia seguinte limpando o quarto. Era triste, um trabalho penoso que nunca gostaríamos de ter feito. Mas que era necessário.


Ter aquele sangue em nossas mãos, só nos fazia piorar. Nossa cabeça já estava cheia de perguntas, mas novos questionamentos pareciam não cansar de chegar.


É assim que acabaremos?

Estamos todos condenados?
Quanto tempo ainda temos de vida até que alguma coisa nos mate?

[...]


Pela manhã o sol apareceu, a chuva se dissipara. Resolvemos finalmente sair da casa para investigar aquele lugar. A tensão e o medo nos levaram a crer que tomar uma atitude era melhor do que sentar e esperar. Se fôssemos morrer, antes tentaríamos achar alguma forma de voltar para nosso lar.


Quando passamos pela dispensa, havia lá 4 pistolas com 3 carregadores cada. A casa nos dava tudo o que precisássemos. E naquele momento não havia nada mais útil. Parecia que nossa determinação de encontrar um meio de voltar nos motivou. Assim como motivou a casa a ficar do nosso lado.


Se nosso destino é morrer, antes havemos de lutar.

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"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem." - Mario Quintana